segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Um pouco sobre as minhas últimas escolhas

Há pouco, muito pouco, fui dois, dividido, apartado entre palpável e essência; infiel a mim mesmo, aprisionado a um suntuoso castelo que de próprio punho e com esmero ergui, e nele me trancafiei...
Por fora suntuoso e invejável; por dentro de igual glamour, mas para mim, que não o desejava, asqueroso, como a fétida sela de uma prisão, apertada, úmida e mal iluminada...
Gozado! Tinha ao meu dispor as chaves, mas agia como um pobre canário, cantando o meu louvor a cada novo dia, não para alegrar os ouvintes (como se pensa ser a função de um pássaro na gaiola), mas para não me deixar sufocar pela triste condição de limitação... Com que apresso me miraram e admiraram meu canto e plumagem... E como, com meu canto, tentei alertá-los da cegueira e obsessão com que edificam gaiolas douradas, mas de nada valeu... faltava tradução...
Diante de mim um dilema: Cantar em vão até a nota do último suspiro ou rasgar o peito num cantar silencioso além daquelas grades?
Era uma questão de vida ou morte... Uma vida vivida em morte pela não realização da sua essência ou uma morte para essa ilusória vida para dar-lhe plenitude e transcendência...
FIZ A MINHA ESCOLHA.
Numa noite, quando entoava para a lua meu solitário canto de amor, deixei-me encantar pelos vaga-lumes, pela luz que nasce dentro, e desejei, nas sombras lúgubres do meu interior, fazer gerar a luz – fato só possível pelo ardor da minha decisão...
FIZ A MINHA ESCOLHA.
Quantas coisas aquela luz iluminou... De glórias e desventuras... Sorri e chorei mais uma vez com cada uma delas, mas em tom de despedida – glórias e desventuras de gaiolas jamais se comparariam a menor delas no mundo dos livres...
Mas ainda há abismos, em menor ou maior largura... maior ou menor profundidade... Quantas e quantas vezes acordei de sobressalto sentido-me perecer caindo em um deles sem desfrutar do gozo da outra margem...
Entre a decisão e a consumação há um breve... e que infinidade cabe nele...
Sob força da decisão, eu, prisioneiro do glamouroso castelo de ilusões (lúgubre sela) tomo em mãos as chaves e abro as grades... De fora, olho o castelo e entendo porque tantos a ele se apegaram... Convido todos os que se agarram as suas colunas a se retirarem...
Escuto ofensas e gritos: “louco...”; “irresponsável...”; “Não concordo...”
Retorno aos umbrais contemplando e amando cada pedra que ali depositei... cada dia... cada instante de alegria ou dor ali vivido....
Retorno, não como quem volta atrás, mas para retirar a força os que ali resistem em protesto. Bato-lhes sem piedade nas faces por considerar o bem que nos espera...
Espalho, por entre as fundações, explosivos... retiro-me... e com imenso prazer... prazer que imaginei, naquelas instalações, nunca mais poder voltar a sentir... o sentindo agora em grau superior ao que jamais imaginei... escuto ainda gritos de protesto... Mas não há mais tempo... O dedo já apertou, com toda a força da minh’alma, o dispositivo...
Vejo tudo ruir como quem assiste a um espetáculo de rara beleza...
Por alguns instantes a poeira nos impede de enxergar...
Causa um breve desespero o imprevisível no inconsciente coletivo de todos...
Mas logo a poeira baixa...
Emudecem então os lamentos e protestos... Não há palavras para descrever o que vemos...


Habituamo-nos muito rápido a tudo... Conseguimos até atribuir valor a preconceitos e grades...
A todos acostumei com a brilhante imagem do meu castelo de ilusões... só mais um na megalópole de outras construções semelhantes entre os viventes... Os gritos e insultos que ouvi não eram menos justos... era o desejo de segurança que mantém a megalópole de ilusões funcionando...


Estão agora todos estupefados...
A ausência da construção, há pouco demolida, nos permitiu a todos ver o lindo Horizonte que as nossas gaiolas escondem...
Exclamações surgem de todas as direções...
Pode-se ouvir até soluços de emoção resultado do que Aquele Horizonte de possibilidades e incertezas causa em cada um que o vislumbra...
Começo a me despedir... Nu, vou me afastando dos demais... Acompanham-me até certo ponto, mas param e me deixam seguir sozinho... como eu, amam o Horizonte, mas estão apegados demais as suas ilusões seguras... e já não me prendem, me estimulam a seguir como que tentando mandar comigo um pouco de si em expansão...
Sigo e redescubro as minhas asas... sou agora como um pássaro no céu, que não semeia nem ceifa, mas a quem o Horizonte nada deixa faltar... Tenho minha nudez vestida como os lírios dos campos, sem fiar nem tecer, a gosto e desejo do próprio Horizonte...
Parto sozinho, mas com uma certeza: todos os que pela minha antiga rua passarem encontrarão, por sobre as ruínas do que fui, um caminho aberto para o lindo Horizonte que amo... e passos bem marcados no chão, para os que quiserem seguir...
Quanto a mim que amei o Horizonte, infundo-me e componho o próprio Horizonte de forma a já não mais se poder distinguir Um do outro...
Como desejei ser o que agora sou...

Um comentário:

Michel disse...

Tenho orgulho de ter amigos tão corajosos, vocês são de mais não vou dizer que estou rezando por vocês, (sei rezar não) mas a minha torcida por vocês são todas possível. Valeu irmãos amo vocês.

Cuidado com o carro, acho que ele que dar uma carona a vocês pra onde só Deus sabe kkkkkkkkkkkkkk

Fica na fé em Deus...